Esses dias, diversas colegas & conhecidas compartilharam uns stories de um fulano, cujo nome não fiz questão de decorar, falando que jamais se casaria com uma CEO e mais um monte de bobajada sobre ser mulher, ser CEO, cuidar dos filhos, o bê-a-bá que ouvimos incessantemente desde pequenas. Por ser minha bolha uma coisa muitíssimo bem selecionada, todas as minhas colegas estavam criticando o bonito, com razão, claro. Mas eu só consegui sentir preguiça da polêmica.
Vejam bem, trabalho no que chamam “mundo corporativo” há quase cinco anos. Conheço CEOs, os de verdade, e a primeira coisa que eu queria dizer às minhas colegas é que ninguém pensa na pequena empreendedora como CEO. Eu sei que a Bianca Boca Rosa faz parecer que ela é como vocês, minhas colegas, mas, aqui vai um segredo: vocês não são iguais. Mesmo a Boca Rosa ainda é CEO light, e afirmo isso com certeza. Vocês não têm ideia do quanto tem de gente com muito dinheiro, inclusive vendendo bolo por 150 reais como hobby, que consideraria ofensivo (se não risível) ver gente como a gente se deixando cair na polêmica - e, não só, perdendo tempo com textões que essencialmente só repetem o que já se diz há pelo menos vinte anos.
Não me levem a mal, eu só morri de preguiça. Se tem algo que me pareça mais irrelevante do que “lutar” pelo “direito de ser CEO” em pleno ano de 2024, ainda estou por descobrir.
Outro dia, comentei com uma amiga que essas eleições norte-americanas serão particularmente desafiadoras. Primeiro, porque todo mundo sabe perfeitamente a farsa que tal processo representa, em especial aqueles que há muito entendem e denunciam que por trás de toda a meritocracia brilhante, colorida e pretensamente libertária norte-americana, há braços, cabeças e pernas de crianças palestinas - em todos aqueles vídeos que têm tirado o sono dos insones e dos justos desde 7 de outubro de 2023. Segundo, porque a gente teria de lidar com The Man tocando incessantemente na campanha da Kamala Harris. The Man é a música que mais grita feminismo liberal de que tenho lembrança.
E, aqui, falemos sobre Taylor Swift (porque este texto talvez seja apenas um amontoado de pensamentos avulsos, que podem ou não se relacionar). Desde novembro do ano passado, algo dentro de mim se quebrou em relação à loirinha. Minha história com ela, que começou em novembro de 2008 (lembro da data com precisão, pois estava internada em virtude duma meningite meningocócica quando Love Story se repetia no iPod), conscientemente ou não, seguiu uma trajetória relativamente sossegada e contínua, constante, até que ela levou a The Eras para um Rio de Janeiro de 60ºC. Não vou entrar nos pormenores (porque, quem viveu, sabe), mas fato é que desde então me dei conta de que só conheço Taylor Swift a marca, não o ser humano. E, cá entre nós, cada vez mais desconfio que o ser humano por trás da marca muito provavelmente é alguém que eu detestaria conhecer, mesmo.
Por mais que a Taylor incentive (e muito, e muito mais do que gostaria de admitir, desconfio) este comportamento parassocial, que faz seus fãs acreditarem que a conhecem num nível íntimo, no fim do dia, ninguém realmente tem acesso a mais do que o que ela permite que esteja posto. Digo isso também para reafirmar que, no mundo ao qual ela pertence, nada não é calculado. Os riscos de uma foto abraçando e acariciando uma pessoa que é abertamente pró-Donald Trump sempre estiveram postos, e, ao os assumir ainda assim, ela sabe que está mandando uma mensagem. No mínimo, a de que suas relações inter-pessoais são muito mais importantes do que o bem coletivo. Pelo que, os créditos devidos sejam dados, ela quase merece aplausos.
Recentemente, assisti àquela série “O Casal Perfeito”, da Netflix. Fiquei sabendo que a recepção geral do público não tem sido muito boa, mas, particularmente, eu adorei. Aquele tipo de seriado que você não consegue largar, e que não te oferece muito mais do que promete: uma mistura de gente rica insuportável, vibes “White Lotus”, com algum drama cujas bases fundamentais desafiam sua própria capacidade de sentir empatia, tipo em “Big Little Lies”, e uma pegada de mistério cuja inspiração não se esconde (Agatha Christie é abertamente mencionada em uma das cenas). Uma fórmula batida, mas que ainda funciona. Enfim, digo que tenho dificuldade de sentir empatia, porque a série apresenta uma realidade absurdamente plástica e cujas dimensões não me comovem, não mesmo, eu quase me pego pensando diversos “bem feito” diante dos dramas dos personagens.
E isso me traz de volta ao direito de ser CEO. Porque Taylor Swift, Kamala Harris e a personagem que a Nicole Kidman interpreta em cinco séries diferentes, todas essas mulheres, todas elas, representam algumas das coisas que, no auge dos meus trinta anos, mais fui ensinada a odiar com todas as minhas forças.
Digo que não quero ser CEO, primeiro, porque sei que fundamentalmente jamais serei sequer lida como CEO de qualquer coisa; porque sei que minhas amigas jamais serão CEOs, e vejam que estou falando de mulheres majoritariamente brancas e de classe média alta, e passei da fase de desejar por isso, para mim ou para elas. Não quero ser CEO, porque o mundo dessa gente é um mundo muito do podre, tão podre que, vão por mim, essa polêmica de uma suposta dicotomia entre mulheres ocupando espaços de poder e ao mesmo tempo servindo como esposas ideais é uma não polêmica: no fim do dia, elas não ligam tanto assim.
Vejam as tradwives, exemplificadas pela mais recente história da tiktoker que abdicou da carreira de bailarina para se dedicar à família. Essa mulher não quer ser salva, e, no fim do dia, ela só ficou ainda mais rica depois dos longos dias perdidos por adolescentes querendo que ela conhecesse a palavra do feminismo. Tadinhas, elas, sim, provavelmente bem intencionadas. O meu problema é que eu tenho muita raiva e muita vontade de derrotar os fundamentos que permeiam e, de certo modo, autorizam que Ballerina Farm seja, paradoxalmente, ultrajante e desejável. Ultrajante, porque como ela ousa abrir mão da carreira para cuidar dos filhos. Desejável, porque eu adoraria poder fazer o mesmo.
Mas eu não posso. Porque eu não sou CEO de nada nem esposa de bilionário. Eu sou a base da pirâmide. Dez horas do meu dia vão para gerar mais dinheiro para o topo, o topo mesmo, a galera que não tá nem aí pra essa discussão. Eu chego em casa, estou cansada, exausta, preciso me alimentar, cuidar do meu relacionamento, cuidar do meu corpo, brigar pela minha mente. Vocês têm de estar muito malucas se acham que, além de tudo isso, ainda vou logar no instagram para bradar que mulheres podem sim ocupar o espaço de CEOs.
O que eu desejo para nós não é ocupar o topo da pirâmide. Ou a gente desmonta a pirâmide, ou vamos só nos adaptar na busca por uma vida mais digna, por relacionamentos mais equânimes, parceiros e parceiras que nos façam massagem no pé e um jantarzinho no fim do dia. O que eu desejo para a gente é uma vida em que as tarefas domésticas sejam vistas como tarefas humanas, não femininas; desejo uma vida em que a gente tenha tempo para ficar com as crias (num mundo solidário, em que a tarefa do cuidado também seja compartilhada e entendida como comunitária), para fazer nada, para ler todos os livros que quisermos, quando quisermos, sem que sejamos convencidas de que acordar às 5 da manhã para conciliar academia-casa-transporte-trabalho é o caminho ideal para a boa saúde.
Eu sei lá, talvez eu só esteja cansada, e talvez o meu cansaço me faça aspirar pela mediocridade, mas vai ver até essa atitude seja um tanto subversiva da minha parte. Lutar pelo direito de ser absolutamente medíocre num mundo de meritocracia e CEOs talvez seja também uma forma de existir. De novo, posso estar só cansada e meio velha. Percebo a importância do debate, não me levem a mal, eu provavelmente só estou cansada.
Com carinho,
Rafaela. Cansada.
Perfeito! Você colocou perfeitamente em palavras tudo que senti vendo essa polêmica.
É bem o que você falou no fim do texto, sei que é válido, sei que o cara merece todo chapisco que levou. Mas, sei lá, só não me importo mesmo com a pauta. A pegada “girl boss” que esse tipo de situação faz reviver é muito cafona, ultrapassada, cega e infundada. Eu lá to preocupada com o que uma mulher CEO tá passando enquanto mulheres reais ainda estão tão cheias de demandas por aqui?!
Diante disso tudo sinto como se a gente estivesse voltando lá pra 2014 com a fase #GirlBoss do feminismo liberal e da cultura pop haha E surpreendentemente a Kamala Harris é tão isso (ou sei lá, vai ver está usando essa imagem na campanha porque acredita ser o único contraponto possível ao machismo da campanha do laranjudo bicudo republicano)! Confesso que fiquei com preguiça de abrir o texto do cara, mas imaginava que estivesse falando um monte de bobajada mesmo, só procurando engajamento de ódio com uma não-discussão sobre uma mulher imaginária, ou seja, conseguindo viralizar enquanto todo mundo defende uma mulher imaginária. Falando bem ou falando mal, em certos círculos parece mais fácil discutir a mulher idealizada do que as demandas de mulheres reais...